(Mais) Cuidado com Bitcoin

Jorge Stolfi
05 de fevereiro de 2015

Resumo

A moeda criptográfica "bitcoin" (BTC) foi concebida como um experimento técnico, mas está sendo "vendida" como um "produto" para pagamentos via internet (legais e ilegais), proteção contra inflação, e investimento lucrativo. As pessoas precisam estar cientes de que o bitcoin tem sérios problemas em todas essas funções, e não há garantia nenhuma de que ele continue viável no futuro.

Seguem abaixo algumas das principais limitações do bitcoin.

Bitcoin não tem lastro nem dividendos

Uma ação de uma empresa é um certificado de propriedade de uma certa fração dos bens da mesma (lastro, capital) que dá direito à fração correspondente de seus lucros (dividendos). Um título de dívida do Tesouro Nacional ou de uma instituição privada é um documento que obriga quem o emitiu a pagar ao dono do título, em certa data, uma certa quantia (resgatar o título), mais eventuais juros e correção monetária. São esses "elementos fundamentais" --- capital, dividendos, valor de resgate, correção, juros, etc. --- que fornecem a base para o cálculo do valor de mercado de ações e títulos. Por exemplo, se cada ação de uma empresa andou pagando 10 R$ de juro por ano, nos últimos anos, quem comprar essa ação por 100 R$ provavelmente terá 10% ao ano de retorno sobre o investimento (RSI), o que pode ser considerado um bom resultado. Pagar 1000 R$ por essa ação, ou vedê-la por 10 R$, serim em princípio maus negócios.

O valor de mercado sempre inclui uma componente de "especulação" ou adivinhação, pois o que interessa é como os elementos fundamentais vão evoluir no futuro. Por exemplo, as vendas e/ou a margem de lucro de uma empresa podem aumentar ou diminuir em relação ao passado, ela pode ter que pagar multas ou indenizações, a direção pode cometer erros custosos, etc.. No caso de títulos, quem emitiu pode falir e não conseguir pagar o prometido, ou a inflação pode ser maior que o previsto na correção. O preço de mercado pode então aumentar ou diminuir conforme a expectativa dos investidores sobre esses possiveis eventos. Enquanto a ação estiver sendo negociada em mercado aberto (como uma bolsa de valores), o preço de mercado será X quando todos os que ainda querem comprar acham que ela não vale mais que X, e todos os que querem vender acham que ela vale pelo menos X. A ação será comprada e vendida sempre que alguém quiser vender por preço que alguém está disposto a pagar.

Ao contrário de ações e títulos, um bitcoin não representa propriedade de nada, nem obrigação de ninguém. Não é um certificado de propriedade de algum bem, e não dá direito a quaisquer dividendos. Não existe nenhuma entidade que esteja obrigada a resgatá-lo, muito menos de pagar juros ou correção monetária.

Há quem afirme que bitcoin é um bom investimento porque um dia ele será usado em larga escala como moeda de pagamento na internet. Segundo essa tese, as pessoas terão que comprar bitcoins para esse fim, e, uma vez que há apenas um número limitado de bitcoins, essa demanda vai fazer o preço subir para valores astronômicos -- 10.000 R$ por bitcoin, ou 100.000, ou mesmo 1 milhão. Porém, essas previsões não são apoiadas em argumentos sólidos; e há razões para duvidar delas, como explicado mais abaixo.

O preço do bitcoin é imprevisível

Não havendo elementos fundamentais para ancorá-lo, o valor de um bitcoin é totalmente especulativo. O preço de mercado do bitcoin hoje depende apenas do que os investidores e especuladores imaginam que será seu preço em algum momento futuro. Por sua vez, esse preço futuro vai depender das expectativas que essas pessoas terão para um futuro mais remoto. E assim por diante, numa recursão sem fim. O preço do bitcoin está portanto flutuando no espaço, ancorado apenas em si mesmo.

Essa ausência de elementos fundamentais explica em parte a grande "volatilidade" do preço, que pode variar 10% ou mais em questões de minutos por conta de rumores. Ou mesmo sem razões aparentes, quando "epidemias" de otimismo e pessimismo se espalham pelo mercado, alimentadas apenas pelas próprias variações recentes do preço.

(Em maio de 2014, quando o preço estava por volta de 450 US$/BTC, repórteres perguntaram a dezenas de empresários e especialistas da comunidade internacional do bitcoin qual seria o preço no início de 2015. As previsões desses especialistas variaram de ??? a ??? dólares, com média ??? dólares. O preço real em 2015-01-01 era 300 dólares.)

Bitcoin é um esquema pirâmide

Há pessoas que lucraram com bitcoin, em alguns casos pequenas fortunas. Mas, se bitcoin não gera dividendos, de onde vem esses lucro? ??

Preços passados não dizem nada sobre preços futuros

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Bitcoin não é uma invenção revolucionária

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Bitcoin não é "garantido pela matemática"

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Bitcoin não é recurso escasso

Bitcoins moram em "endereços", equivalentes a contas bancárias anônimas. O histórico completo de todas as contas de bitcoin do mundo fica registrado numa enorme planilha --- a "cadeia de blocos" ("blockchain") --- que existe em inúmeras cópias espalhadas pelo mundo e pode ser consultada por qualquer um. A planilha é atualizada, conferida e certificada por voluntários ("mineradores") que são recompensados pela a emissão de novos bitcoins e com tarifas cobradas sobre a movimentação das contas. Pela definição do bitcoin, apenas 21 milhões de bitcoins poderão ser gerados, até o fim dos tempos.

Segundo os adeptos, o valor dos bitcoins vem em parte desse limite rígido. Um Bitcoin pode ser comparado a um terreno de 1 km quadrado em um planeta imaginário de tamanho fixo. Quanto maior for a demanda por tais terrenos, maior será seu preço de mercado.

Porém, assim como qualquer um pode criar planetas imaginários, qualquer um pode criar uma nova moeda criptográficas com características semelhantes às do bitcoin; ou mesmo idêntica ao bitcoin, exceto pelo nome (e por alguma marca eletrônica para distinguí-la do original). A tecnologia do bitcoin é toda de domínio público --- não apenas por acidente, mas por consequência essencial de seu objetivo, "uma forma de pagamento que não depende de autoridade central".

Bitcoin não é seguro

O grande diferencial do bitcoin, supostamente, é que ele é imune a três riscos que afetam formas tradicionais de pagamento eletrônico, como cartões e transferências bancárias. Um deles é risco de furto de números de cartões, senhas, e outros dados bancários, armazenados por lojas e bancos, por hackers ou funcionários maliciosos. Outro é o risco de bloqueio ou confisco de contas e bloqueio de pagamentos, por governos e bancos. O terceiro é o risco (para um vendedor) de que o cliente cancele o pagamento depois de receber a mercadoria ou serviço.

O bitcoin evita esses riscos por não ter nenhuma autoridade central que armazena senhas, ou que tenha poder de bloquear ou reverter pagamentos, ou bloquear ou confiscar contas. Os mineradores -- que coletam as ordens de pagamento emitidas pelos usuários, verificam seus saldos e as assinaturas digitais, e incluem os pagamentos na planilha distribuída --- são voluntários espalhados pelo mundo, e não são nem identificados nem gerenciados. Cada participante (cliente ou minerador) do sistema verifica o trabalho dos outros, e simplesmente ignora qualquer tentativa de acrescentar à planilha um pagamento inválido. Técnicas de criptografia são usadas para garantir a integridade da planilha e impedir sua alteração retroativa. Pode-se provar que o sistema funciona desde que pelo menos metade dos mineradores sejam honestos.

Uma ordem de pagamento típica pede para retirar certas quantidades de bitcoin de uma ou mais contas de origem e distribuí-las entre uma ou mais contas de destino. A ordem é valida apenas se as contas de origem tiverem saldo suficiente, e se a ordem estiver digitalmente assinada pelos "donos" de todas as contas de origem. A senha necessária para assinar retiradas de uma conta (uma cadeia de 51 letras e algarismos) é gerada pelo próprio dono da conta, em seu computador pessoal, ao mesmo tempo que escolhe o número da mesma; e não precisa, nem deve, ser informada a nenhuma entidade. As assinaturas digitais são feitas de tal forma que qualquer um pode verificar sua validade, mas ninguém consegue adivinhar a senha, modificar o destino ou valor de uma ordem de pagamento depois de assinada, ou sacar a mesma ordem mais de uma vez.

Porém, embora esse núcleo do sistema bitcoin tenha funcionado a contento até hoje, criminosos podem roubar bitcoins de muitas maneiras, atuando fora desse núcleo. Por exemplo, hackers maliciosos podem roubar a senha de uma conta quando ela for gerada, ou quando for usada para assinar um pagamento, ou enquanto ela estiver armazenada no computador do dono da conta. Hackers podem também enganar o usuário, levando-o a assinar um pagamento para a conta errada, ou com uma quantia maior que a pretendida. Há uma série de precauções que podem reduzir esses riscos, mas elas dificultam muito o uso de bitcoins para compras corriqueiras, exigem muita atenção do usuários e um conhecimento mínimo de computação, e não eliminam totalmente o perigo. Há dispositivos físicos especiais para armazenar senhas de bitcoins, mas eles também são vulneráveis.

Mas o maior problema de segurança do bitcoin é justamente sua suposta maior vantagem: é impossível desfazer qualquer pagamento, por qualquer motivo. validam e gerenciam a planilha, onde são registrados todos os movimentos de bitcoins, Bitcoin não é eficiente


Last edited on 2020-07-24 00:52:08 by stolfi